sábado, 6 de agosto de 2011

Verano por bulerías

Pensava ir à praia este verão... Baixar até o mediterrâneo outra vez e passar as manhãs imersa em azul turquesa. Mas a necessidade de estudar em plena estação mais quente do ano não permite que eu saia de Madri. A culpa é minha mesmo, por não ter sido mais eficaz e prática quando foi preciso. Por outro lado não posso me queixar, fiz o que fui capaz dentro de meus próprios limites e Madri, vamos... Madri nunca pára de me oferecer novas aventuras.

Começou com o jantar entre amigas e as cartas de tarô. Sim, tarô, isso mesmo. Foi a diversão da noite, dávamos risada como se estivéssemos jogando um jogo de tabuleiro de meninas adultas. Havia leituras para tudo: amor, futuro, etc...  e claro, como ninguém aqui é vidente tinha um manual com instruções para interpretar as cartas. As primeiras cartas que tirei aquela noite foram as seguintes, nesta ordem: preguiça, criatividade e aventura. A preguiça foi um alerta brutal, um balde de água fria. Tenho me sentido extremamente improdutiva, indecisa, inconstante. Será que no fundo é preguiça? Será que estou me boicotando? O que está acontecendo? No fim, o manual dizia basicamente que eu tinha que me voltar para mim mesma, que eu tinha que ouvir o meu coração porque o estado de preguiça significa potencial pra realizar coisas grandiosas. Clássico neo-hippie-zen.

No dia seguinte ocorreu a temida troca de endereço. Adeus Espartinas 5. Olá Goya 77. Fiz a mudança a pé, praticamente sozinha. Fiz um enorme galo e um corte na minha cabeça também. Por conta disso, e das pendências que ainda tinha que resolver na outra casa, segunda acordei com um mau-humor atroz. Quando dei por mim já era meio dia e vinte. Algumas semanas antes, tinha pesquisado cursos de flamenco em escolas aqui por Madri. Deixei tudo o que estava fazendo de lado, meti uns trapos e meus sapatos numa bolsa e saí.

A escola era uma bagunça total. Fiquei vinte minutos esperando diante de uma recepção vazia – o funcionário estava fazendo o social em algum lugar. Era tarde demais para entrar no curso de bulerías que havia começado à uma. As bulerías são o flamenco mais emocionante que existe; verdadeiro, espontâneo, o mais expressivo. Não sou profissional, nem pretendo ser, e sei que existe muita técnica por trás de qualquer baile por mais improvisado que pareça. Mas pela minha ínfima, ridícula e amadora vivência de mais ou menos 7 anos com o flamenco, vejo que a bulería é aquele baile que tem que te conduzir antes que você o conduza. Senão vem de dentro pra fora, senão sai pelos seus poros, se você não sente aquela força subindo como se você fosse uma classe diferente de ser humano –e o resto é resto -, não se baila por bulerías.  

Estive a ponto de ir embora, não ia dar certo, que vergonha entrar nas salas, e se eu não conseguisse mais dançar? Já fazia muito tempo... Quando, por fim, o recepcionista chega, pergunto o que há para alunos de nível intermediário começando às 14. Me dá uma lista de professores, mas não os ritmos. Reconheci um nome, La China. Uma senhora que eu já tinha visto dançar e que sabia que era boa professora. Ao entrar na sala, não sem receio, ouço a professora: “Chicas, ¿qué os parece si os doy una bulería en este intensivo?”
Com o coração palpitando, repeti com o resto dos alunos um simples “bien”.

  
 Descobri maravilhada que meus pés e todo o meu corpo ainda me obedecem. Meu cérebro, é verdade, vai mais devagar. Mas a bulería conseguiu sair de mim mesmo eu já não lembrando o “compás de doce” direito. É uma dessas poucas coisas na vida que me fazem sentir como eu mesma, não importando se eu faça bem ou mal.

E assim se foram seis das sete aulas. Um desafio fantástico a cada dia porque, como disse a professora no primeiro dia a uma jovem que fazia tudo com má vontade,  “No importa de dónde venimos, pero lo que llevamos aquí (apontando o próprio coração)”.

E agora preciso ir, estou atrasada e as bulerías não podem me esperar. Eu é que tive que esperar esse tempo todo por elas.

miércoles, 20 de julio de 2011

Carta a Madrid

Madrid, alma mía,

Mi futuro ya no puede depender de ti.

Que sepas lo mucho que me duele tener que decirte adiós después de ya haber vivido 25 años sin ti. Reencontrarte - porque lo nuestro siempre será un reencuentro: te tengo, tendré y siempre he tenido en mi corazón aunque no fuéramos, ni tú ni yo, conscientes de ello- fue lo mejor que me ha pasado en la vida.

Por seguirte el ejemplo soy ahora una versión mejor de mí misma: más segura, valiente, fuerte. Y por espejarme en tu mayestática imponencia, hoy siento que no hay nada que no pueda hacer yo sola. Me has sacado la Raquel más honda y primordial; la mujer que nunca antes he podido ser, pero que sin embargo es quien siempre ha estado bajo la superficie, queriendo salir, deseando volar. Madrid, si no fuera por ti, cuanto de mí hubiera quedado para siempre adormecido, sofocado, muerto.

Todavía tenemos tiempo antes de la despedida, pero ya sabes que bajo tu cielo y tu sol el tiempo se nos hace corto. Agradecerte sería poco, sería nada. Estás para siempre grabada en mis ojos, en mis oídos, en mi boca, en mi piel.

Te quiero mucho.

viernes, 8 de julio de 2011

Noticias veraniegas

Minha vida em contagem regressiva... ainda que eu não saiba quando será o ponto zero. Vinha sentindo a contagem se aproximando de mansinho por esses dias, e até tentei me esquivar, um pouco relutante em encará-la de frente. Mas agora ela se assoma inconfundível. Está diante de mim, debochando da minha angústia. E acalentando meu coração saudoso de pai, de mãe, de tanto amor, de esperança em novos projetos.

Sinto os dias escorrendo um a um e eu sem poder segurá-los. O sol, os prédios bonitos, o museu, a estação Velázquez, o Corte Inglés da calle de Goya e cruzamento de Alcalá com O'Donnel. O 61 que eu tomava pra ir às aulas; e o 26 que tomo pra ir até a biblioteca do Reina, onde passo tardes inteiras tentando pensar....
Minhas ruas e calçadas, meus mercados, o meu parque, minhas rosas, meu bairro de Salamanca - o mais bonito de todos, minha cidade....
Minha cidade. Já ouvi casos de gente que é separada da mãe ao nascer, mas nunca conheci ninguém que nascesse separado da sua cidade.
Mas eu nasci longe, muito longe de Madri.

jueves, 23 de junio de 2011

Bilbao

Ya estoy acostumbrada a tener Bilbao dentro de casa. Tan acostumbrada con su presencia tan típicamente discreta que no llegué a darme cuenta de este hecho hasta que por fin la conocí.
¿Cómo es posible que una ciudad encerrada al fondo de unas montañas, con límites espaciales tan visibles cuanto palpables sea posiblemente la más cosmopolita de toda España? ¿Cómo es posible que una gente que preserva tradiciones y una lengua tan locales sea también la más abierta al ajeno, al lejano y a la novedad?
No sé… pero así es Bilbao, la capital española de los contrastes – del casco viejo al Guggenheim, de un pasado gris e industrial a un presente de perros floridos y turistas sonrientes paseando por la ría… Así es su gente - simpática, ¡guapísima! y con los ojos puestos en el horizonte fuera de la cuna donde la naturaleza cuidadosamente les ha puesto.  
Bilbao resultó sorprendente. Me ha ofrecido mucho más de lo que esperaba gracias a sus propios atributos y principalmente a la amabilidad e inestimable compañía de mis 2 queridas amigas/compañeras de vida madrileña. A una familia maravillosa que me acogió cariñosamente. Y a la gente tan maja que allí conocí.
Confieso que también me conquistó por el mosto y por los pintxos y pescados más ricos que pueden haber, un disfrute gastronómico absoluto.

Modernísima, impresionante al borde del non-sense de un mundo ficcional- entre Gehry, Koons, Calatrava, Bourgeois y tantos otros-, pero acogedoramente verde, pequeña, cercana. La exuberancia que reside en la simplicidad. Y el inverso.
Agur, Bilbo. Eskerrik asko.

martes, 7 de junio de 2011

Sevilla tiene una cosa...

Tres maletas, un tren.

Tres noches casi insomnes, un día perezoso en la playa.

Tres idiomas… cantando flamenco.

Tres camas en una habitación de hostal, un mismo lio de ropas, sandalias, champús… y un balcón siempre lleno de sol.

Tres tazas de café por la mañana, tres tostadas, tres vasos de zumo…. el jardín del Alcázar, el Patio de los Naranjos, el puente de Triana.

Tres gafas de sol, tres miradas, tres universos enteros. Tres sonrisas y la juventud que pone Sevilla a nuestros pies.

Luna, sol, flor y mantilla. Despertar en el alma lo más español de mí... y lo más brasileño a un mismo tiempo.

El salmorejo, los tintos de verano, los escaparates repletos de peinetas y abanicos;
lunares, helados, piropos y, por unanimidad de este trío, los chicos más guapos de toda España.

Tres corazones, una amistad.

Rincones iluminados, carreteras de girasoles, Jerez. Tanta risa, tanta historia… volver sabiendo que llevo Andalucía no solo en la sangre, pero en el pecho.

Lirio, Violeta, Amapola. Compañeras de aventura.
Tres flores junto al Guadalquivir.

miércoles, 18 de mayo de 2011

Esperanza

O inverno nos deixou de vez. Já faz algum tempo. Primeiro as mudanças se notavam no clima... na duração dos dias, nas cores, nas roupas, na gente, nos espaços...

Só que agora, finalmente o inverno me deixou também. Como os dias de sol meus pensamentos estão mais claros; minhas idéias voltam a brotar como todas as plantas de Madri, seus contornos definidos como se colocadas diretamente sob o sol. E eu mesma me sinto desabrochando como as rosas do Retiro.

Na janela da minha cozinha há um vasinho de flor. Presente de aniversário da Clara, uma amiga que em si já é um presente. Na época - fevereiro - alguém me disse: "A calefação irá matá-la". Deixei-a decorando meu quarto alguns dias, depois a sala. Até que resolvi colocá-la fora de casa, na janela mais segura que havia. As flores laranja-vivo murcharam, morreram. Tive que arrancá-las e jogá-las fora. A planta inteira foi ficando marrom e me sentia um pouco patética regando-a todos os dias, por mais de um mês.
Fui ao Brasil, e evidentemente ninguém se lembrou da minha pobre amiga sentadinha pacientemente na janela (ainda que ela estivesse ao lado do varal, que certamente foi usado).
Estive a um milímetro de jogá-la no lixo. Mas ainda não era o momento de nos separarmos. Sentei-me diante dela e arranquei todos os raminhos mortos, quebradiços de tão secos. Eram muitos. Para minha surpresa, bem pertinho da terra vi algo que parecia uma folha nascendo, verde. Reguei. Coloquei-a de volta ao ar fresco. E transformei este pequeno ato numa rotina matinal. Meu primeiro contato diário com a vida.

A folha cresceu e se multiplicou. E faz dois dias encontrei, bem pertinho da terra de novo, um botão. Em breve terei flores laranja-vivo outra vez. Estive durante alguns dias pensando que queria dar um nome a esta planta companheira, recordatório diário de que perseverar e amar é o mesmo que desejar fazer coisas boas brotarem. Agora acho que devo chamá-la Esperanza. Nada mais lógico, é um nome tradicional, espanhol, muito propício. É verdade, um nome cheio de lembranças queridas também.

Que a vida possa sempre voltar a brotar como a Esperanza.

sábado, 30 de abril de 2011

Volver

¿Cual parte del trayecto es la vuelta?
¿En qué sentido se encuentra?
¿A este?
¿A oeste?
No sé porque corazón y mente insisten en volver en sentidos opuestos de la misma ruta y cambiar constantemente sus motivaciones sin nunca estar de acuerdo.


El comedor amplio e iluminado de mamá... su cocina blanca, la frutera llena de mangos, papayas y piñas gordas... su jardín de plantas tropicales con dos roseritas invasoras. El patio de mi abuela. Sus orquídeas colgadas. Sus armarios repletos de comida y dulces. Las paredes violetas de mi habitación. Contienen toda una vida llena de colores vibrantes. Y libros eslavos.
Todo me parece más amplio que en la memoria. Más claro. Más feliz.

Pido una dirección a la funcionaria. Me mira, me toca el brazo y sin prisa me da las instrucciones. Quiere que yo encuentre el camino. Lo quiere de verdad, así de claro. “Obrigada”, le digo. Algo confusa, tengo que coordinar mis piernas, que buscaban la salida, y mi corazón, desacostumbrado que estaba en latir más despacio, acordándose de cómo es ser tan amable, paciente, generoso. Porque así es mi gente… en las calles, restaurantes, bares, en casa; así soy yo.


Me he regalado dos semanas en este hogar original. Se me pasan como un soplo. Y pronto estoy en un fastidioso, larguísimo e incómodo vuelo. Llevo un nudo en el pecho que no entiendo muy bien de que va… no es tristeza, ni desespero. Ni siquiera es malo. Es solo un nudo; algo que está ahí, pendiente, desafiando mi razón. Me enfado con la indiscreta mujer al otro lado del pasillo que insiste en aburrirnos a todos con las historias de su vida, despertándome a todo momento. No quiero hablarle, no quiero decirle qué hago en España o contestar a sus preguntas. Tampoco me interesa si conoce a Madrid o Londres como la palma de la mano.
Madrid por fin. Saco mi pasaporte rojo y dorado. Ahí dice que soy española. El policía me desea un buen día, e yo a él. Fuera hace un día de sol, maravilloso. Camino las pocas aceras entre mi casa y la estación de metro. Desde que cogí el avión saliendo de Brasil, es mi primera sensación de familiaridad. Mentira. La salida de Barajas, la recogida de equipaje ya lo habían sido. Estas esquinas, estas calles y incluso esta gente, todo me es familiar. Y en este hecho no hay ninguna sorpresa. Por un acaso, ¿esta también no soy yo?

domingo, 3 de abril de 2011

Como la fénix

Las flores empiezan a brotar por todo el parque, las macetas de mis vecinos vuelven a llenarse de colores y los árboles de verde. La gente toma de golpe a las calles y las terrazas recobran su espacio en las aceras. ¡Y el sol! Este sol maravilloso bajo lo cual la gente se tumba en las plazas, como si a ejemplo de las flores, quisieran brotar también.
Las medias poco a poco dejan las calles, los pañuelos ganan nuevas tonalidades y mis piernas, pálidas tras dos inviernos, por fin vuelven a tocar el aire. La vida entera parece estar envuelta en frescor. Es como si, como la propia ciudad, estuviéramos todos naciendo otra vez y empezando una existencia completamente nueva. La gente sonríe más, los chicos guapos nos sonríen más. Y Jorge Drexler hace conciertos en la Gran Vía.
Deportistas y perros se multiplican a cada esquina y también las máquinas fotográficas y los guías “Lonely Planet”. Ya no se sale de casa sin un Ray Ban. Las noches no empiezan antes de las 21; sin embargo se hacen más largas que nunca. Mis vestidos, escotes y faldas empiezan, uno a uno, a salir del armario ya que todos los poros de mi piel reclaman su lugar al sol. Y la rosaleda ya nos dio su primera rosa. Es precioso. Hermoso. Sensual. Magnífico.
¡Salid todos! ¡Disfrutad!
Es primavera en Madrid.

martes, 29 de marzo de 2011

"Estoy harta de ser buena" o el efecto borde

borde (adj m/f) - grosso (a)

"Borde!" me peguei gritando outro dia pra um cara na fila na frente da Casa América. Basicamente, o que aconteceu é que estávamos Olga e eu imaginando se aquela fila era para uma peça de teatro gratuita que haveria ali. Quando nos encorajamos a questionar um casal que estava na fila o "borde" se intrometeu: "Pra fila!", disse apontando com o polegar o fim da fila. Em choque, pedimos calma já que só estávamos pedindo informação. O "borde" prosseguiu, o polegar ainda no ar:  "Não estão vendo que estão dando ingressos?"... respondemos em uníssono "Não." O "borde" então, não só não pediu desculpas, mas continuou falando com aquela cara de quem acha que tem razão... eu não ouvia mais nada, o sangue subindo.... De repente escuto a Olga: "Usted es un mal educado!" e minha voz passando por cima da sua em alto e bom som "BORDE!". A fila começou a andar e o homem, sem me responder, andou com cara de reprovação. Olhei para o lado, incrédula. Uma senhorinha passava... tinha visto e ouvido tudo. Olhou pra mim e começou a dar risada. "Então, acho que devo ir pro final da fila", disse rindo e passou.

Verdade seja dita, nunca fui super calminha de levar desaforo pra casa - a não ser que seja estritamente necessário para o bem de todos, inclusive o meu - desde meus 12 anos, mais ou menos. Desde bem antes até. Xingo de volta no trânsito, sou ríspida com atendentes mal-educados, e já cheguei a enfrentar professor e até chefe... meus pais então coitados, sempre com a menina respondona que não aceitava não como resposta sem antes perguntar "porque não?" - embora sempre tenha sido muito obediente, gostaria de frisar. E não digo que me orgulho de ser temperamental. Até porque ser desse jeito é na verdade uma maneira que algumas pessoas, e eu obviamente, acham pra se defender, pra lidar com a agressividade alheia, e não é das mais eficazes. O fato, no entanto, é: preparem-se amigos e familiares, mas volto ao Brasil com a casca mais grossa do que nunca. Graças a 6 meses de Espanha. Não estou me queixando, resmungando, criticando... só constatando. Já me flagrei dando patadas bem dadas -como nunca antes - em bibliotecárias mal-educadas, atendentes mal-humoradas, garçonetes grossas e até um policial (calma, tive o cuidado de só dizer um "Estás de broma!", nada pelo que pudesse se ofender). O único lugar onde já segurei a onda muitas vezes é aqui em casa, mas até isso tem ficado mais difícil. E eu sei que não era assim. E por um lado é extremamente libertador, já que tenho engolido muito menos sapos. Por outro, acho que às vezes posso atingir quem não merece, inconscientemente, só pelo fato de que eu já não lido com as pessoas da mesma maneira e com a mesma doçura - a exceção de quem é realmente próximo.

Sempre que assitia "Mulheres a beira de um ataque de nervos" me partía de la risa, como se diz aqui. Aquela mulherada tresloucada, com umas reações completamente exacerbadas.... mas agora, no entanto, eu realmente compreendo aquelas mulheres e suas motivações não me parecem em absoluto absurdas, ao contrário, me parece muito natural que se sintam assim. Me encontrei diversas vezes sentindo-me como a Pepa (personagem interpretada pela incomparável Carmen Maura) que ao virar uma caixa inteira de sonífero num liqüidificador cheio de gazpacho, diz memoravelmente: "Estoy harta de ser buena!". Estas palavras adquiriram um novo sentido pra mim aqui. Viver na Espanha é uma experiência extraordinária, fiz amigos maravilhosos, estou constantemente rodeada de gente querida. Mas um país tão nacionalista - tá bom, chega a beira do provincianismo bairrista às vezes -, com tantos preconceitos entre seus próprios habitantes, exige invariavelmente que todos tenham que agarrar seu espaço, nem que seja no dente. E é assim que a coisa funciona. E se você não entra na dança, morre pisoteado pelo "taconeo". Adotar essa atitude dramática, impulsiva que por vezes se transborda em grosseria parece ser o único jeito de estar na Espanha amando-a. Resumindo, você aprende a ser grosso pra não deixar que a grosseria dos outros estrague o seus dias ensolarados. Assim, todo mundo se irrita por 10 segundos, troca desaforos, depois vai todo o mundo pra casa e em 10 minutos ninguém se lembra de nada. O pior é que... eu acho que lá no fundinho.... sempre fui um pouco assim. E as pessoas que são super-mega-ultra sensíveis sempre foram um problema pra mim, já que elas tendem a demorar pra entender que mesmo sendo meio "borde", eu realmente gosto delas e não gosto de machucar ou ofender ninguém. Se me irrito é por 10 segundos e depois acabou.

O que não dá pra conceber é quando as pessoas vem com racismos eurocêntricos ou te humilham pessoalmente num ambiente universitário, onde se imagina que essas coisas não existam. Aí a coisa fica feia, e ainda que a Pepa e seu gazpacho envenenado me venham à cabeça, o melhor a fazer é respirar fundo e usar todo o meu brasileiríssimo senso diplomático. E aquele sorriso impecável. Funciona sempre.

Pero en realidad os digo... a veces esta gente me pone harta de ser buena.

sábado, 12 de marzo de 2011

Água de Beber

Há uma coisa que eu sinceramente desejo para toda e qualquer criatura digna de ser chamada humana: a capacidade de deixar-se apaixonar. Por pessoas, idéias, lugares, posibilidades e até por si mesma. Amar a qualquer coisa sem pensar no amanhã, como um adolescente. O amor, por piegas que soe, é a única força capaz de mover-nos através de continentes, que nos faz cruzar oceanos e encontrar motivos para seguir descobrindo caminhos ainda que às vezes que tudo pareça um pouco cinza e todos os rostos carrancudos.
Sem a possibilidade do amor, nada faz sentido… Viver uma vida sem esas paixões incríveis pelas quais somos arrebatados e tirados de nosso eixo é como estar constantemente a procura de água num deserto. Porque alguém faria isso?
 Não amar é a verdadeira irracionalidade.
Eu amo sim, intensamente e me apaixono com enorme freqüência por todo o tipo de coisas. Minha última paixão foi uma idéia tão louca que vim vivê-la do outro lado do Atlântico. Depois de ficar meses obsecada, pesquisando, me inscrevendo em universidades, fazendo exames. Pensando nisso agora, foram 6 meses da minha vida dos quais eu quase não me lembro de ter vivido; só lembro de estar febrilmente apaixonada pela possibilidade de estudar na Europa. E aqui estou. Na Espanha, efetivamente estudando, com uma bolsa de estudos. E tudo isso só foi possível porque eu ousei sair da minha zona de conforto e me apaixonar loucamente por essa idéia, que virou uma possibilidade e por fim uma realidade.
Que houve, há e haverá contratempos e decepções, evidente que sim. Em qualquer tipo de amor que se pense. Mas isso… ah isso é tão ínfimo perto da alegria que um grande amor pode trazer. Por isso meus amigos tão queridos, eu lhes aviso, lhes afirmo, lhes peço, lhes imploro: amem! Muito e sempre. Sua família, seu trabalho, seus projetos, seu cachorro, gato, papagaio, sua banda ou filme favorito, seus amigos,  seu namorado(a) e se precisar até sua sogra de vez em quando. Assuma estes amores até o fim, diga em alto em bom som e que o mundo inteiro saiba. É o mínimo que você pode fazer por si próprio. E a melhor coisa que posso desejar para qualquer um. E quando o amor acaba… bem acabou. Mas vale a pena ter vivido até o último suspiro.
Roubando, mais uma vez, Tom Jobim : “o medo pode matar o teu coração”. E mata mesmo.  

jueves, 3 de marzo de 2011

The London Saga Part 2 - the plane crash likeliness

Acabei demorando uns 5 dias mais do que esperava pra escrever o fim da história.... Espero que vocês ainda queiram saber o final.
Bem.... estavamos em Heathrow, não é mesmo? Sem bilhete de volta. E sem saber o que fazer. Ouço um alerta de mensagem. Pego o celular... a bateria estava acabando. Antes de ficar incomunicável, resolvo mandar um e-mail pra minha mãe, não sei exatamente porque. Achei que ela deveria saber o que estava se passando na eventualidade de acontecer alguma coisa e eu desaparecer do mapa. Pensei que deveria assustá-la o menos possível, mas acredito que acabei escrevendo algo como "completamente desesperada". E além disso atualizei meu perfil no facebook dizendo que havia perdido o vôo... o que é francamente bizarro, mas na hora me fez sentir mais segura. As coisas catastróficas que passam pela nossa cabeça quando estamos totalmente desesperados.
Enfim, depois de ser informada pela amável assistente de informações, que estava començando a ficar de mal-humor porque eu estava deliberadamente interrompendo a conversa dela, que de Heathrow apenas saiam vôos vips (leia-se que companhias low cost - que não iriam me cobrar 600 libras num bilhete pra Madri - não operam aí), tive que sair em busca de internet. Ela me apontou a escada rolante. Não sabia direito pra onde ir, o que procurar, como respirar. Pensava nas pessoas felizes que estavam esperando no portão de embarque naquele mesmo momento e eu sem saber quanto iria ter que desembolsar nessa patetada.
Achei o locutório. Era self service. Você colocava 1 libra e o computador te dava 20 minutos de internet. Em 20 minutos tive que fazer pesquisa de preço em 4 sites de linhas aéreas (ryanair, easyjet, e-dreams e aireuropa), reservar o bilhete que era mais barato, prestar atenção em todos os detalhes e ainda colocar os dados do meu cartão de crédito em um computador público. Não foi legal. Tentava pensar que o importante era sair de Londres. Aos 17 minutos, bilhete comprado. Tirei uma foto da tela do computador só pra ter registrado o número de reserva. Estava sem bateria no cel, não tinha caneta. Easyjet, às 19.05. Eram mais ou menos 14.30, e tinha que me transladar até o aeroporto de Gatwick. Imaginei que não iria demorar mais que 2 horas pra chegar lá... Ha!
O bilhete do ônibus expresso eram 22 libras. Achei caro, dadas as circunstâncias. Fui até o metrô. Expliquei o que necessitava. Fui atendida por um indiano. Me explicou que tinha de metrô até Victoria Station. De lá, pegar o trem que ia diretamente a Gatwick. Me vendeu um bilhete combinado. Por fim, Victoria Station, depois de 45 minutos amargando e pensando no meu vôo que estava já nos ares, rumo a Madri. Busco o trem pra Gatwick. Na entrada outro indiano me diz que meu bilhete não servia para aquele trem. Achei que era piada. Ele disse que eu deveria conversar no guichê. Lá fui eu, com o terceiro indiano. Ele confimou que o bilhete era para um outro trem que saia de London Bridge. Diante da minha exasperação ele buscou o jeito mais fácil de ajudar. Disse que eu podia comprar um bilhete de um dos trens que saiam dali e ir até East Croydon. Dali, pegar finalmente o trem para o qual meu bilhete era válido. E (quem sabe???) chegar ao aeroporto de Gatwick. Me explicou o que tinha que fazer. Eu olhei para ele (com uma expressão tresloucada, imagino) e perguntei "ARE YOU SURE?". Ele respondeu que sim, pegou um papel e uma caneta e anotou. "Olha está aqui, anotei pra você."
Aquele papel não ia fazer a menor diferença se ele estivesse equivocado, mas diante do erro do primeiro atendente, ele tentava fazer com que eu confiasse na informação. Subi no trem pra East Croydon... Sem saber quanto ia demorar, por quantas estações ia passar. A perspectiva de perder um segundo vôo era aterradora e eu tinha vontade de fechar os olhos e gritar. No alto falante do trem anunciavam que o trem ia se dividir a partir de tal lugar, e eu ficava rezando pra que minha estação fosse antes disso. Depois de 20 minutos passamos pela primeira estação.... não era East Croydon. Seguimos. Casinhas, campos, riachos, coisinhas inglesas. Próxima estação East Croydon. Saio do trem. Para minha frustração a estação é gigante, com umas 10 plataformas. Qual seria a minha?  Já pássavamos das 16.30.  Ando desnorteada algum tempo até encontrar uma funcionária da estação. A primeira brit em horas. Um sotaque que parecia escocês. Vomito minha história com os trens. Ela calmamente diz "É realmente esse trem não sai de Victoria... sai de London  Bridge.", pausa dramática - "Aqui passa por esta plataforma (apontou pra plataforma à nossa direita)."
Depois de uns 5 minutos o famigerado trem parou na plataforma. Eu outra vez, sem saber quanto ia demorar, podia ser uma viagem de 15 minutos ou de 2 horas. Ansiedade, ansiedade, algumas estações, campos, casinhas, chaminés, ansiedade, outra estação, campo, bosque, Gatwick. Por fim. Eram quase 18. Saí correndo do trem, entrei correndo no aeroporto e pra minha sorte o check in da easyjet estava montado bem na entrada. Outro indiano, simpático.
Vou para o embarque. Passo no raio X e adivinha? Minha mochila apitou. "Você tem líquidos na sua mochila?". Respondo que sim, mas tudo inferior aos 100 ml permitidos. "Estão no saquinho plástico?". Digo que não. "Ah, por isso. Mas agora sua mala terá que ser revistada". Esperei no cantinho uma mulher que abriu minha mala passou um detector de metal pediu que colocasse os líquidos no maldito saquinho e me liberou.
Pronto. Estava lá dentro, pronta pra decolar. Só precisava descobrir o portão, porque em Gatwick eles não informam na passagem. Olho o painel. "Madrid 19.05 - delayed to 21.05". Duas horas de atraso. Fui ao banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes - duas vezes. Voltei ao saguão, pûs a mochila no chão e notei (o óbvio) que o carregador do meu celular não era compatível com as tomadas inglesas. Estive imóvel por alguns minutos. E depois tive uma crise de choro violenta. Estava convencida que o avião ia cair, ou que o outro avião que tinha perdido ia cair, que aquele definitivamente não era um dia para voar. Quando estava prestes a desistir pra sempre da Inglaterra, uma senhora que passava se deteve. Me olhou e disse, com aquele jeitinho meigo dos velhinhos que haviam tirado a minha foto dias antes "Você está bem querida?". Eu, sem conseguir parar de chorar disse que sim. Ela me olhou com peninha e perguntou "Tem certeza?". Parei de chorar um instante e agradeci sorrindo o quanto podia... "Só estou tendo um dia difícil. Mas já está melhorando.". Ela sorriu de volta dizendo "Melhor assim." e se despediu.
O vôo foi uma tortura, estava realmente paranóica. Olhava para os lados para me certificar que ninguém estava usando aparatos eletrônicos que pudessem interferir com o sistema de navegação.Todos pareciam potenciais terroristas: o cara de turbante, o inglês ao meu lado que lia um livro sobre a Iugoslávia, o casal espanhol com uma filhinha chinesa de uns 5 anos e a aeromoça Patrocinio. Tentei dormir o máximo possível e tirar tanta abobrinha da cabeça, mas era difícil relaxar. O avião deu umas tremidas fortes. Entrei silenciosamente em pânico. O piloto avisa que vamos a entrar em uma zona de turbulência... não ajudou muito. No fim, durante toda a "zona de turbulência" o avião não deu um chacoalhão sequer.

Aterrisagem à meia noite em ponto. Me lembro de estar na porta do aeroporto de Madri esperando o ônibus expresso que vai do aeroporto ao centro.... amava a Espanha, Madri, o aeroporto de Barajas, o sistema de transporte prático e fácil, amava o ar madrileño e fato de estar em casa. Em casa. Percebi o quanto a gente se apega. Achava que eu só podia me sentir assim no Brasil, no aeroporto de Guarulhos, rumo à Nina Rodrigues. Enfim.
Só pra constar, Londres vale e valeu a pena. E voltarei sempre que puder. Bem mais cuidadosa com a pontualidade, como uma boa inglesa.

domingo, 20 de febrero de 2011

The London Saga Part 1 - the Carol Beer effect

Duas semanas. Foi o tempo que levou pra eu parar de ter calafrios, palpitações e flashbacks de pânico do meu último dia en Londres. E portanto, o tempo que levou pra eu conseguir voltar a escrever.
Antes de entrar nos detalhes sórdidos, no entanto, não posso deixar de dizer o quanto eu gosto desta cidade. Minha breve impressão de 4 anos atrás se confirmou. Londres é bonita, pitoresca, cosmopolita e muito fotogênica - apesar do chuvisco constante. Tudo vale.... até um cara vestido em lycra roxa (da cabeça aos pés) e paletó marrom andando displicentemente pelas ruazinhas atrás de Westminster Abbey. Na calçada do palácio de Buckingham um aviso, prova da conhecida boa educação britânica: "criminosos, cuidado: policiais à paisana estão trabalhando neste local". Poxa, até abri minha bolsa pra tirar a máquina fotográfica, sem medo de ser feliz!

Não vou dizer que não foi surpreendente (tá bom, admito, um pouco decepcionante) descobrir que eu falava em inglês melhor que muitas das pessoas que me atenderam em restaurantes, estações e lojas. Entrar num ônibus às 18 é uma experiência alucinante. Cada canto do veículo é um foco lingüístico diferente (alguns reconhecíveis, outros nem em sonho). Acho que nem o condutor falava inglês. Mas e os britânicos? -me perguntava eu - Cadê? Bom além do agente de imigração que me disse "Welcome to England!" no melhor sotaque londrino quando cheguei, só encontrei mais exemplares no dia seguinte. Mas que exemplares! Sabe quando queremos tirar uma foto e ficamos olhando ao redor procurando a pessoa mais simpática pra pedir. Pois é, nesse caso os mais simpáticos eram um casal de velhinhos mais British que o próprio big ben. Não só eles pareciam simpáticos, mas foram uns amores, se dispuseram prontamente a tirar a foto e fizeram piadinhas no melhor estilo "brit-naive", o que deixou minha amiga e eu encantadas.

E assim transcorreram 2 dias, entre pontos turísticos, caminhadas, muito tempo gasto no famoso "commuting" (ir de um lugar ao outro demora muito mais em Londres que em Madri, por exemplo) e feiras de rua. Destas últimas, a de Notting Hill é um must. O problema é que ainda me faltavam a Tate e o Globe Theatre (pra quem não sabe este último é uma réplica do teatro onde Shakespeare encenava suas peças. Como meu vôo era às 14.30, acordei cedo e, calculando o tempo (lembrava quanto tinha demorado o trem do aeroporto até o centro) fiz essas duas visitas. Saí e fui o mais rápido que pude para o metro mais próximo. O trem demorou quase meia hora mais do que tinha demorado na vinda. Cheguei a heathrow em cima da hora. Corri para o stand da Ibéria. "Esse vôo não é nosso. Você tem que ir até a British airways. O vôo é deles". Corro para a British. "O check já fechou há 5 minutos. Você não pode pegar o vôo.". Alguma resposta exasperada e sem ar de quem acabou de levar um soco no estômago. "O problema é seu. Quem mandou chegar tarde?". Alguma outra resposta, algo com as palavras "pelo amor de deus" e "corro até o portão de embarque". Outra negativa. Sou enviada pro stand da Ibéria outra vez, afinal comprei a passagem deles. "Ah, não posso fazer nada. Você deveria ter pedido a troca de bilhetes ontem.". Se não estivesse tudo rodando ao meu redor provavelmente teria respondido "Jura? Poxa, não programei direito meu atraso, né?". Peço que ela tente me colocar no vôo seguinte. Ela calmamente me informa que a passagem pro vôo seguinte custa 600 libras. Eu pergunto "PRA MADRI?". Ela me olha com uma cara desperezível de blazé. "Vou ver o que posso fazer por você.". Me diz na maior cara dura "Serve um vôo pra Bilbao?" . Eu respondo, já começando a ficar furiosa porque ao invés de estar perdendo essse tempo ridículo com esse diálogo insano a la Carol Beer do seriado Little Britain (aquela atendente que só responde "computer says noooo.."), eu poderia estar pegando o meu vôo: "Óbvio que não serve Bilbao! Que raios eu vou fazer em Bilbao? Eu moro em Madri!!!!!". "Ah, então busque a easyjet". Já com lágrimas nos olhos e o maior desespero de toda a minha vida chego no stand de informações, pergunto pela easyjet e pela Ryanair. "Esse aeroporto é só pra vôos caros. Não sai nenhum desses vôos aqui. Você terá que comprar pela internet."

Essa é uma história muito comprida, cheia de reviravoltas.... Esta foi apenas a primeira parte. Voltarei no próximo post com o resto da história. Estive a ponto de roer minhas unhas umas 5 vezes, enquanto escrevia. Prometo não demorar tanto para escrever o final, assim se houver algum masoquista curioso, não sofrerá muito.

sábado, 22 de enero de 2011

Granada

O trem saiu as 5.45, pontualmente como sempre. Ainda faltavam duas horas para que amanhecesse e duas horas para a chegada em Granada. Os viajantes já cansados de antemão. As cabeças pendendo adormecidas. Acordei aturdida e vi uma estação passando.... "Onde estou?!".... vejo uma placa passando rápida ao meu lado "Granada".... Tínhamos perdido a estação. Baixamos na seguinte, trocamos de plataforma e voltamos. Mais meia hora no trem e quando me dou conta já estamos passando por Granada de novo. Uma enorme ansiedade toma conta de mim desperto outra vez, desta vez fora do sonho. O trem está parado em Guadix, pueblo a uma hora de Granada. Prudente, aciono o despertador e pouso a cabeça na janela. Está tudo bem... ouço um ruído incômodo, não sei exatamente de onde vem, não consigo reagir. Recobro a consciência aos poucos, e enquanto abro os olhos minhas mãos fuçam a bolsa em busca do despertador. Sinto o trem crescentemente reduzindo a velocidade e a luz ainda fraca lá fora não ajuda meus olhos a distinguir onde estou. Passamos por um muro con letras garrafais "GRANADA".

Granada é um desses lugares que fazem todos os clichês de agência de turismo parecerem verdade. Linda de morrer, acolhedora. Granada tem uma vida, uma força, um não sei que faz a gente querer viver cada passo com a maior intensidade possível. La Alhambra nos faz voltar no tempo viver por algumas horas num mundo alheio ao nosso. Boquiabertos diante do engenho daqueles que viveram tantos séculos antes de nós e desolados com soberba cultural de nosso mundo ocidental. As ruazinhas cheias de histórias, símbolos mistérios... é um banquete à imaginação. Se Alhambra coroa a cidade com sua majestática beleza, el Albaicin é o coração granadino. Este bairro de mais de 1000 anos pulsa. Chegar no Mirador de San Nicolas onde se tem vista da serra nevada fazendo fundo aos palácios de La Alhambra já é em si algo embasbacante. Se isso ainda por cima acontece num dia maravilhoso de sol, com um grupo de gitanos locais cantado uma buleria improvisadérrima no meio da praça, é simplesmente inexplicável. Tente desatar o nó garganta... é simplesmente impossível. Descobrir em suas ruas tortuosas tabernas típicas e casas de chá arábes com delícias para o olfato e o paladar é outro prazer à parte. E o rio Tejo (sim, em Granada!) dá ainda mais charme a todo o conjunto.

Diante de todo esse encanto, eu só tenho uma pergunta a fazer. Por que diabos aquele reizinho emergente-de-mal-gosto conhecido como Carlos V resolveu construir um puxadinho imbecil bem atrás de um palácio perfeito e mil vezes mais maravilhoso do que qualquer coisa que ele poderia construir com arquitetos obviamente inferiores? Se alguém souber me responder isso com um bom argumento, acho que seria uma pessoa mais conformada.