jueves, 28 de octubre de 2010

Los subidones y las ganas de bailar

De volta a Madrid, passei a semana passada a todo vapor, inclusive peço desculpas pela demora em postar – tenho feito o que posso, quando dá. O iminente início das aulas me enchia de ansiedade. Ainda não organizei muito bem minha rotina de afazeres domésticos, e sinto que às vezes acabo me perdendo um pouco no tempo. Ontem de manhã, por exemplo, gastei duas horas entre arrumar o quarto e passar a roupa da semana, que tinha lavado um dia antes e que estava empilhada na mesa da sala. Não estou reclamando, até que me divirto. Embora minha habilidade com  o ferro seja nula (tenho pensado 3 vezes antes de usar uma camisa), passo a roupa ouvindo música, cantando e às vezes até dançando. Ontem a trilha sonora teve principalmente Beatles, com direito a repetições de  “I’m only sleeping” e “It’s only love”. Ainda não aceitei bem o fato de que vou perder o show do Paul McCartney. Mas isso é outra história.
Terça-feira (da semana passada) para amenizar o estress pré-início de aulas, fiz um sanduíche às 11 da manhã, coloquei na bolsa junto com um dos libros que preciso ler para o curso e saí de casa. Fui até o parque andei um pouco e, claro, fui até a Rosaleda. Ali almocei meu sanduíche junto às flores, com um sol estupendo. De sobremesa comprei um sorvete de chocolate com amêndoas numa lanchonetezinha no próprio parque, altamente recomendado pelo senhorzinho que me atendeu. Ao caminhar em direção à saída do parque, debaixo daquele sol maravilhoso, comendo aquela delicia gastronómica fui tomada de uma felicidade súbita, ou como se diz aquí, um “subidon”. Me ocorreu que o fato de estar comendo uma bomba calórica é absolutamente irrelevante quando nos sentimos tão bem, e que realmente não me importava se nunca mais conseguisse perder aquelas calorias. Depois de meu almoço no parque continuei andando e descobri uma rua muito charmosinha só de sebos. E eles também expõem ao ar livre. Por mais legal que tenha sido a descoberta, me fez lembrar que as aulas começariam muito em breve e voltei a ficar ansiosa. Dobrando a esquina, já se via o muro do Jardim Botânico. Decidi que era para lá que eu ia, para relaxar outra vez. Nem precisei chegar lá. Na metade do camino cruzei com um grupo de crianças saindo vindo de uma excursão ao Jardim. Não tinham mais que 5 ou 6 anos de idade e estavam acompanhados de suas professoras. Todos iam em pares de mãos dadas com um amiguinho (a), felizes, rindo, falando, pulando e sorriam quando passavam por mim. Coisa mais fofa! Tive outro “subidon” e me esqueci outra vez das aulas.
O Jardim Botânico é legal, principalmente os canteiros de dálias. Mas, de verdade, nenhum parque no mundo supera o Retiro. Tenho ido correr lá com certa freqüência.  O bem estar é indescrítivel. Você está ouvindo sua musiquinha para se distrair enquanto se exercita, o sol brilha, as folhas marrons começam a cobrir o chão, passam outras pessoas se exercitando, vovôs com os netinhos, cães bonitos (saudades do Sancho!) e de repente, um esquilinho sai correndo na sua frente e pula numa árvore.
Quarta-feira estive na biblioteca pública aquí do meu bairro e me tornei membro. E para explicar para o atendente que eu eu tinha o passaporte espanhol (por tanto era cidadã), mas não o DNI (documento nacional de identidad)? Ele apontava um número que aparecia no meu passaporte (que não era o número do passaporte) e perguntava: “Mas este é o seu DNI, né?”. E eu respondia que não sabia, o que o deixava confuso... Demorou um pouco, mas deu certo. Já trouxe dois libros para casa e hoje vou buscar mais um.
                Quinta era o grande dia, início oficial.  Para me distrair, saí de casa peguei o metrô e desci na estação Anton Martín, em pleno Barrio de las Letras, antigo reduto de escritores, poetas e intelectuais. As ruazinhas caóticas, muitas só para pedrestes dão um charme especial ao bairro. Queria ver a casa de Cervantes. Hoje na verdade é um convento, só se pode ver a fachada. É um lugar interesante… nada de grifes, só lojinhas alternativas de roupas, acessórios, comics… tinha uma que vendia adesivos que diziam “Madrid - de puta madre”. Passei pela rua onde deveria entrar e nem me dei conta, então acabei dando uma volta maior pelo bairo. Foi assim que me deparei com um lugar especial – antes da casa de Cervantes. Vinha por uma ruazinha estreita que desembocava em outra, só para pedrestes. Diante de mim diviso uma vitrine repleta de calçados. Mas estes não eram calçados comuns, eram sapatos de flamenco. De vários modelos, cores, detalhes. A loja é um “taller” os sapatos são artesanalmente feitos lá. Senti meus pés com muita força me avisando – “queremos bailar”- quase movendo-se involuntariamente; foi um momento de memoria sensorial muito intenso, podía sentir o peso dos meus sapatos de flamenco nos meus pés, a altura exata que meus calcanhares ficam do solo, como mover-los, o som que se produz a cada passo e a força exata que tem que se colocar em cada movimento para que este som saia corretamente… eu ainda me lembro. Eu ainda amo estas sensações. Depois de algum tempo mais por lá, voltei para casa e comecei a me preparar para as aulas. Mas até às 16:30, horario em que começaram as aulas, tudo o que podía pensar era flamenco.
                Isso já é assunto para o próximo post, mas ontem estive num lugar chamado la Tabacalera. Descobri que dão aulas de flamenco grátis de segunda-feira às 5 da tarde. Quem sabe se minha mãe lembrar-se de enviar meus sapatos?
               

jueves, 21 de octubre de 2010

Herencia

Minha visita a Almería potencializou tudo o que eu vinha sentindo desde que cheguei à Espanha. Tem alguma coisa neste país que que faz com que tudo simplesmente flua melhor. Ainda que a minha língua nativa não seja a deles e que ainda tenha muitas referências culturais por aprender, não me sinto estrangeira. E em contrapartida, muito raramente sou reconhecida como uma. Sou livre e, ainda que seja uma liberdade assistida, comprada, finalmente sinto que estou no lugar certo.  
É sobre isso que quero falar neste texto. Sobre estes momentos em que somos tomados pela certeza de que estamos no lugar certo na hora certa, e que é muito óbvio que você só poderia estar ali.
A sensação foi crescendo ao longo dos días que passei por lá. Primeiro aconteceu passeando pelo centro de Almería com meus tios. Fazia um dia lindo de sol e passamos diante de um restaurante com mesas ao ar livre. Numa destas mesas, quatro senhoras tomavam seu café da manhã. Muito normal, se não fosse pelo fato de que todas vestiam trajes típicos “rocieros”, que eran vestidos longos de bolas, flores e peinetas no cabelo. Não resisti, tirei uma foto de longe sem que notassem, para não incomodar ninguém. Imagino que todos os leitores deste blog saibam do meu amor incondicional pelo flamenco. E ainda que estivesse na Espanha a quase um mês, não tinha visto mais que cartazes de shows pelas ruas de Madrid. Mais tarde neste mesmo dia, estava com meu primo e sua namorada ainda no centro da cidade. Visitamos a catedral, uma antiga fortaleza do tempo dos árabes, e fomos em seguida para a igreja da Virgen del Mar, a padroeira local. Já tinha um pouco de fome e sabia que minha tia estava fazendo paella, então não estava lá muito afoita para entrar. Mas, ao nos aproximarmos ouvi uma música diferente… uma guitarra flamenca… seria possível? Estava acontecendo um casamento e a trilha sonora – pirem! – era música rociera, acompanhada da melhor guitarra flamenca e cantes populares de Andaluzia. Nada de música erudita, marcha nupcial, não, não.
Reconheci um dos hits, a famosa cancão popular que diz “…olé, olé, olé, al Rocío yo quiero volver…”. A noiva, na nave principal, segurava um abanico branco de renda. E à esquerda do altar, o coro de rocieras com suas roupas de cores vibrantes com bolas, seus mantones, suas rosas no cabelo e algumas castanholas… Diante do meu choque, meu primo explicou que era um casamento tradicional, típico da região. Sem ofensas por favor, mas aquilo fez todos os casamentos em que já fui na vida parecerem um tédio sem fim. Entrei num frenezi que não consigo reproduzir com palavras, foi uma experiencia única. Pena que não deu para ficar até o final.
No entanto, o ápice emotivo desta viagem veio dias mais tarde. Estávamos em Armuña, já havia conhecido todo o pueblo - ainda que com dificuldade já que a cada metro andado, era apresentada a três pessoas diferentes –, já tinha passado umas 15 vezes na frente da casa onde minha avó nasceu e viveu, tirado fotos e então dois tios meus me levaram a Laroya. Neste vilarejo onde nasceu a minha bisavó e aí morou até os sete anos. Para quem não sabe, ela viveu no Brasil dos 7 aos 15 anos e depois voltou para Espanha devido a uma tragédia familiar. Durante estes 8 anos ela se apaixounou pelo nosso país de tal maneira que todos aqui a chamavam – e chamam até hoje- de Carmen, la brasileña. E não sossegou até que finalmente arrastou o marido e os 5 filhos pro Brasil com ela. Essa é a história bem resumida de parte da minha família.
Enfim, chegamos em Laroya, uma cidadezinha encantadora cravada na montanha. Na entrada um busto de Cervantes, que documentadamente esteve no vilarejo no ano de 1594. Me sentía como se pisasse em solo sagrado… um lugar que viu a passagem de muitos e muitos anos, sem mudar quase nada em seu aspecto físico, sua aparência. Descendo uma rua, chegamos ao final do pequeno pueblo. Daí pegamos um caminhozinho de terra, beirando um barranco e por aí seguimos entre almendros, olivos e outras árvores, arbustos e ervas nativas… Dez minutos depois lá estava o moinho de mi abuelica. Ao seu redor nada mais que a natureza. As pedras sobrepostas uma a uma há quase dois séculos atrás, ainda resitem à força dos anos. Finalmente verti lágrimas. O moinho tinha sido dos avós da minha bisavó e agora eu estava diante dele como quem vem para tomar chá e botar a conversa em dia. Tentei entrar, mas uma planta bastante espinhosa e algum entulho bloqueavam a passagem. Só conseguía chorar e pensar como aquilo seria uma moradia maravilhosa se o interior fosse restaurado. Dizem que os donos atuais não querem vender… quem sabe no futuro?
 Só de lembrar do moinho me vêm lágrimas aos olhos.
Termino este post com ninguém menos que o senhor Miguel de Cervantes, com uma frase que propiciamente estava embaixo de seu busto na entrada de Laroya.
“La libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierran la tierra y el mar: por la libertad, así como por la honra, se puede y se debe aventurar la vida.”
Uma frase de quase 500 anos, gravada na entrada de uma vilazinha perdida no tempo, explicou  tudo o que estou sentindo, o que venho sentindo desde que este novo projeto de vida começou a tomar forma. E explica tudo o que sentiu minha bisavó há 60 anos atrás. É ou não é pura emoção?

martes, 19 de octubre de 2010

Viajar, comer, viver

Sempre demos risada da minha avó pela quantidade obscena de comida que ela costuma fazer e colocar em nossos pratos. Festas em familia e reuniões em sua casa são sinônimos de comilança sem tamanho seguida daquela depressãozinha típica que acompanha a barriga estufada. Assim, acreditava eu que já estava devidamente preparada para o que me aguardava gastronômicamente em minha viagem para sua terra natal.
 Pois para minha surpresa, descobri que os longos anos de Brasil já domaram, e bastante, os hábitos alimentícios de minha familia no que diz respeito à quantidade. Passei 6 dias sem sequer sentir fome, e no entanto não parei de comer. E mesmo quando tentava dar um basta, não era possível. Afinal não sentir fome em qualquer hora do dia é algo inconcebível.
Para os que pensam em vir futuramente, vai um dicionário de significados:
-          Dizer “No puedo más”, significa “Sim, por favor, quero mais uma porção bem generosa”
-          Dizer “Muy bien, como uno más”, significa “Certo, vou repetir mais 3 vezes”
-          Dizer “No tengo hambre” significa “Quero mais opções de comida do que as que estão expostas na mesa”
-          Dizer “En serio, es que no tengo hambre, ni un poquito” pode significar:
a)      Não gosto da sua comida (o que é o maior insulto da vida)    ou
b)      Ponha comida AGORA no meu prato
Tive mais convites para comer do que dias para ficar. As pessoas são muito generosas, queriam me receber bem, que lhes fizesse uma visita. E não pode haver visita, sem comida. Numa destas visitas comi “fritada de conejos”, um prato que amo imensamente. Não só havia a fritada, mas também uma mesa de embutidos (jamón, chorizo, morcilla…), salada e tortilla de patata, tudo muito apetitoso. A prima me serviu, acho que tinha um coelho inteiro no meu prato. Estava maravilhoso, ela cozinha divinamente. Comi até o final com muito esforço, para não fazer feio. Ao terminar, me diz a prima “Echate un poco más, no has comido nada”, e em seguida já virou uma colher com mais 4 pedaços no meu prato. Ao terminarmos de vez- me sentindo como uma bola prestes a sair rolando – ela observa que nem toquei na tortilla…. Passamos umas duas horas conversando, o almoço ainda na barriga. Me perguntam se não quero magdalenas com café. Digo que não, não tenho fome, o que é respondido por uma cara que é um mixto de dor e descrença. Começo a rir, abraço a prima querida e tento convencê-la de que realmente não preciso comer.
Em outra ocasião fui levada para almoçar em vilarejo muito bonito na costa. Uma vila de pescadores, uma jóia do mediterrâneo. Comi lulas, salada, batata frita, mexilhões e mais 3 tipos de peixe. No final até os gatos, que parecem ser a fauna nativa de Almería devido a sua abundância, disfrutaram dos anéis de lulas à dore que ninguém agüentava mais comer, ainda que fossem uma iguaria dos deuses. Vocês imaginam como eu devia estar absolutamente empanturrada para não conseguir comer mais 5 anéizinhos de lula suculentos…. E ainda teve sobremesa. A viagem de volta à Almería (capital) não tardou mais que uma hora e assim que chegamos no apartamento, a tia perguntou: “quer comer uns figos e uns docinhos de Armuña?”….
Num outro jantar, havia muitas opções para “picar” como eles dizem aqui, para petiscar- lulas, jamón, salada de romã e outras gostosuras. Fui colocando tudo aos pouquinhos no prato e provando, pois ainda estava satisfeita com o lauto almoço que me havia sido servido horas antes. A tia me olha e diz: “A mí no me gusta echarle comida a nadie, pero si no vas a comer nada, yo lo haré”.
Eles sabem que a comida que fazem e servem, é muito boa. Compartilhá-la  é sinal de afeto, ainda que tenhamos que comer até cair.
Diversas vezes dei gargalhadas por conta desse exagero tão bonitinho. Mas o mais surreal veio na hora da partida… Balanço total: 1,5 quilos de amêndoas recém colhidas, um cacho de uva tão grande que enchia uma sacolinha de supermercado, 12 barrinhas de sabonete artesanal feito com azeite extra-virgem e ervas colhidas no campo, 2 potes de pêssego em calda caseiro e por fim 15 litros de azeite artesanal puríssimo, extraído das azeitonas armunhenses. E ainda queriam me dar figos. Óbvio que não trouxe tudo isso para Madrid, senão ainda estaría empacada na porta do trem. Me senti como o pessoal do ceasa, trazendo produtos frescos do campo para a cidade. Dos 15 litros de azeite, só trouxe 7 e as uvas ficaram para trás também. O azeite está fazendo o maior sucesso aqui em casa. Uma das compis, ao prová-lo disse “¡Pero eso viene con la aceituna junto!”. De verdade, é o melhor azeite que já comi em toda a minha vida, não tem igual. Um dos potes de pêssego já foi devidamente consumido por nós acompanhado de chantilli. E as amêndoas, bem… são consumidas diariamente. Hoje por exemplo, fiz almôndegas recheadas com amêndoas cobertas com molho de tomate fresco (nada de latinha!). E domingo foi risoto de aspargos com amêndoas e queijo brie. As receitas fizeram sucesso, recebi elogios e pedidos para ensiná-las.
O duro foi chegar às 11:30 da noite com uma mochila pesada, uma bolsa estufada, um casaco e uma sacola com 7 litros de azeite que rasgou no caminho. Ao entrar desengonçadamente na Calle de Espartinas, desatei a rir. Vi a cena se repetindo pela segunda vez. Dessa vez, pelo menos tinha as chaves.

miércoles, 13 de octubre de 2010

Corazón Andaluz

Almería; En árabe, espejo del mar. El mar imita el cielo, ambos del mismo color azul.
Aquí nació una de mis abuelas y mis tios… Al estar en su pueblo, Armuña – dónde ya no se ve el maravilloso mediterráneo -,  he tenido la rara sensación de tener raíces aquí aunque nunca haya visitado esta tierra antes. Mi familia andaluza es… no sé decirles qué. Son más que las palabras que mi débil español pueden decir. Es como si nunca hubiera salido de casa. Es como si estuviera en casa de mis abuelos  en compañía de mis primos y tíos.
Y se lo agradezco a mi abuela Leonor  porque la quiere tanto su gente que a mí, al principio una total desconocida, me trata como una reina.
                Sin más, me enseñan sus fotos, me cuentan sus memorias,  me llevan a pasear, me abren sus puertas, me invitan a comer, me abrazan, me besan,  me cortan el pelo (¡está monísimo!), me dan las llaves de sus casas y – claro- me echan mucha, MUCHA, MUCHA comida (ri-quí-si-ma). Llevo unos pocos días aquí y muy pronto volveré a Madrid, pero estos pocos días han sido suficientes para que los quiera muchísimo, para siempre.
Sin embargo, no es sorpresa que me haya enamorado de ellos… porque esta tierra y esta gente es sólo corazón.  Está en todo que hacen y dicen-  en sus frutas recién cogidas, en sus risas, en su vocabulario regional, en su amable acogida, en sus recetas magnificas, en sus aceites y jabones artesanales;  es el órgano que los mueve a todos. ¿Qué decir? Pues sí, ya los amo. Entiendo ahora porque les escribe con tanta pasión mi abuela. Porque una vez que conozca a gente así, uno jamás querrá alejarse.

jueves, 7 de octubre de 2010

Antiblog

Não consegui escrever esta semana. Muita ansiedade por conta da aula inaugural (que acontecerá em algumas horas) e dos muitos contratempos burocráticos entre USP e Complutense. Nunca tive problemas com o cartão de crédito também e foi só aterrizar aquí para me dar conta de um sério problema com a  fatura…  Enfim… Estive em Toledo ontem e nem as lágrimas de emoção que quase rolaram dos meus olhos ao ver a muralha do século IX em torno daquela cidadezinha tão bela, e toda aquela atmosfera mística de séculos de conquistas, reconquistas e de herança cultural de diversos povos diferentes conseguiram me dar boas idéias para um texto. E há meia hora começou a me dar uma cólica muito chata. Blé!
                No entanto, aqui vai uma passagem marcante.
                Segunda-feira estive no templo de Debot. É um templo egipcio que foi dado de presente à Espanha e colocado magistralmente no topo de uma colina com um jardim em volta. Tudo isso está bem no meio da cidade (pertinho da Plaza España). O templo, originalmente contruído em homenagem ao deus Amon, hoje se encontra em posição privilegiada. O pôr do sol dali é um espetáculo a parte, certamente o mais bonito de Madrid, talvez da Espanha.
                Eram seis da tarde, 16 graus, vento frio. O lugar estava qualhado de gente: jovens sentados na grama, esportistas em seu exercício diario, cachorros com seus donos, turistas com suas máquinas, senhores e senhoras aproveitando o sol. Ainda faltavam duas horas para que escurecesse.  Num banquinho junto à parte detrás do templo, sentou-se uma senhorinha muito bonitinha, seu cabelo parecía um chumaço gordo de algodão, bem, bem branquinho. Como uma tartaruga, enfiou metade da cabeça dentro do cachecol rosa que usava e logo adormeceu. Sentou-se outra senhora ao seu lado logo depois, mas teve o cuidado de não despertá-la.
                Passados alguns minutos, eis que chega um joven muito animado com sua câmera, provavelmente nova, daquelas tão profissionais e estratosféricas que devem até ter função cafeteira acoplada. Bom, aí ele viu a pobre velhinha dormindo e é claro, pensou em fazer a foto do ano: espontânea, real, maravilhosa. De dar inveja ao próprio Ansel Adams! Sem a menor cerimônia, ajoelhou-se ao lado dela – ainda adormecida – e começou a bater fotos de seu rosto. A outra senhora, que estava bem acordada, fez uma cara de reprovação impagável e indignada começou a olhar para os lados em busca de apoio… acho que se ela tivesse uma bengala ou guarda-chuva  o rapaz estaria com um galo até hoje. Porém, ao não pronunciar-se verbalmente, talvez até por receio de acordar a vizinha de banco, o moço tirou todas as fotos que quis levantou-se e foi embora.  Mal sabe a senhorinha que a esta altura já virou celebridade no facebook, ou em algum blog por aí… o que me faz pensar – quantos de nós também não estamos a revelia em facebooks e blogs por aí? Que medo!
Amanhã vou à Almería passar uns días com primos da minha avó. Vou conhecer onde ela nasceu, e onde parte da minha história, da minha existência, também começou. Ainda que nunca tenha estado lá, sinto como se este fosse um regresso. Tenho pensado muito na abuelica, que é como todos chamávamos minha bisavó, dona Carmen,  no  trajeto que ela fez e em como tudo poderia ter sido diferente para minha avó e tios se ela não tivesse transformado seu ambicioso sonho de ir ao Brasil em realidade na metade dos anos 50. Ela viveu ainda 18 anos depois que eu nasci. Nos víamos sempre, conversávamos. E agora me dou conta do quão pouco realmente a conheci. E o mais estarrecedor é que chego a conclusão de que ao  sermos completamente opostas, somos na verdade completamente iguais.
E torço por mais inspiração.
Até a volta.

sábado, 2 de octubre de 2010

Obra Prima

Ontem  fi z uma viagem no tempo. E aterrisei na corte de Felipe IV, rei de Espanha. A infanta Margarita e uma de suas amas me olhavam com desconfiança e a toda aquela gente fazendo burburinho e torno delas. O cão nos ignorava, nem piscou em sua soneca vespertina mesmo com a criança que insistia em colocar o pezinho em cima dele. Lá do fundo da sala um homem se virou para dizer-me algo, mas com todo o tumulto não pude ouvir. E lá no canto esquerdo, quase escondido por sua enorme tela, estava ele. Ninguém menos que ele, o reponsável por todo aquele tumulto.
Está claro que não se trata de uma cena qualquer, por mais corriqueira que ela possa parecer. Ele, engenhoso que é, a montou meticulosamente, e a fez repleta de truques, segredos, charadas. Mais! Ao nos observar tão cheio de rigor e concentração ele faz com que nós todos que a viram, vêem e verão, em qualquer lugar ou época,  personifiquem os próprios Felipe IV e Mariana de Asturias. Ontem eu também fui rainha. Eu vi. Em um instante estava ali naquele mesmo salão onde estavam ele, a pintar-nos o retrato, e todos os outros a olhar-me.
Uma experiência deveras contemporânea para um quadro de 1656. Não acham? Mas é precisamente esta a faísca que faz com que hoje em dia vastos grupos de turistas ainda sejam atraídos com seus fones ou com seus guias tagarelas – o que é muito pior – até aqui. Esta tela nos apresenta muito mais que movimento, técnica, beleza… está muito além disso. Aliás, o que vi ontem está muito além da pintura, da estética, de tudo. Este quadro está vivo. Esta obra se coloca diante de nós como uma porta para um outro lugar, num outro tempo e fazendo-o nos tornamos parte viva dela. Nossa, por assim dizer, participação o torna dinâmico, eternamente mutável. Está em constante atualização.
Ao mesmo tempo seu autor, muito graciosamente, nos dá o inestimável presente de, ao estarmos diante dele, nos eternizarmos também.
Al señor Diego Velázquez,
 ¡Muchísimas Gracias!