sábado, 6 de agosto de 2011

Verano por bulerías

Pensava ir à praia este verão... Baixar até o mediterrâneo outra vez e passar as manhãs imersa em azul turquesa. Mas a necessidade de estudar em plena estação mais quente do ano não permite que eu saia de Madri. A culpa é minha mesmo, por não ter sido mais eficaz e prática quando foi preciso. Por outro lado não posso me queixar, fiz o que fui capaz dentro de meus próprios limites e Madri, vamos... Madri nunca pára de me oferecer novas aventuras.

Começou com o jantar entre amigas e as cartas de tarô. Sim, tarô, isso mesmo. Foi a diversão da noite, dávamos risada como se estivéssemos jogando um jogo de tabuleiro de meninas adultas. Havia leituras para tudo: amor, futuro, etc...  e claro, como ninguém aqui é vidente tinha um manual com instruções para interpretar as cartas. As primeiras cartas que tirei aquela noite foram as seguintes, nesta ordem: preguiça, criatividade e aventura. A preguiça foi um alerta brutal, um balde de água fria. Tenho me sentido extremamente improdutiva, indecisa, inconstante. Será que no fundo é preguiça? Será que estou me boicotando? O que está acontecendo? No fim, o manual dizia basicamente que eu tinha que me voltar para mim mesma, que eu tinha que ouvir o meu coração porque o estado de preguiça significa potencial pra realizar coisas grandiosas. Clássico neo-hippie-zen.

No dia seguinte ocorreu a temida troca de endereço. Adeus Espartinas 5. Olá Goya 77. Fiz a mudança a pé, praticamente sozinha. Fiz um enorme galo e um corte na minha cabeça também. Por conta disso, e das pendências que ainda tinha que resolver na outra casa, segunda acordei com um mau-humor atroz. Quando dei por mim já era meio dia e vinte. Algumas semanas antes, tinha pesquisado cursos de flamenco em escolas aqui por Madri. Deixei tudo o que estava fazendo de lado, meti uns trapos e meus sapatos numa bolsa e saí.

A escola era uma bagunça total. Fiquei vinte minutos esperando diante de uma recepção vazia – o funcionário estava fazendo o social em algum lugar. Era tarde demais para entrar no curso de bulerías que havia começado à uma. As bulerías são o flamenco mais emocionante que existe; verdadeiro, espontâneo, o mais expressivo. Não sou profissional, nem pretendo ser, e sei que existe muita técnica por trás de qualquer baile por mais improvisado que pareça. Mas pela minha ínfima, ridícula e amadora vivência de mais ou menos 7 anos com o flamenco, vejo que a bulería é aquele baile que tem que te conduzir antes que você o conduza. Senão vem de dentro pra fora, senão sai pelos seus poros, se você não sente aquela força subindo como se você fosse uma classe diferente de ser humano –e o resto é resto -, não se baila por bulerías.  

Estive a ponto de ir embora, não ia dar certo, que vergonha entrar nas salas, e se eu não conseguisse mais dançar? Já fazia muito tempo... Quando, por fim, o recepcionista chega, pergunto o que há para alunos de nível intermediário começando às 14. Me dá uma lista de professores, mas não os ritmos. Reconheci um nome, La China. Uma senhora que eu já tinha visto dançar e que sabia que era boa professora. Ao entrar na sala, não sem receio, ouço a professora: “Chicas, ¿qué os parece si os doy una bulería en este intensivo?”
Com o coração palpitando, repeti com o resto dos alunos um simples “bien”.

  
 Descobri maravilhada que meus pés e todo o meu corpo ainda me obedecem. Meu cérebro, é verdade, vai mais devagar. Mas a bulería conseguiu sair de mim mesmo eu já não lembrando o “compás de doce” direito. É uma dessas poucas coisas na vida que me fazem sentir como eu mesma, não importando se eu faça bem ou mal.

E assim se foram seis das sete aulas. Um desafio fantástico a cada dia porque, como disse a professora no primeiro dia a uma jovem que fazia tudo com má vontade,  “No importa de dónde venimos, pero lo que llevamos aquí (apontando o próprio coração)”.

E agora preciso ir, estou atrasada e as bulerías não podem me esperar. Eu é que tive que esperar esse tempo todo por elas.