sábado, 2 de octubre de 2010

Obra Prima

Ontem  fi z uma viagem no tempo. E aterrisei na corte de Felipe IV, rei de Espanha. A infanta Margarita e uma de suas amas me olhavam com desconfiança e a toda aquela gente fazendo burburinho e torno delas. O cão nos ignorava, nem piscou em sua soneca vespertina mesmo com a criança que insistia em colocar o pezinho em cima dele. Lá do fundo da sala um homem se virou para dizer-me algo, mas com todo o tumulto não pude ouvir. E lá no canto esquerdo, quase escondido por sua enorme tela, estava ele. Ninguém menos que ele, o reponsável por todo aquele tumulto.
Está claro que não se trata de uma cena qualquer, por mais corriqueira que ela possa parecer. Ele, engenhoso que é, a montou meticulosamente, e a fez repleta de truques, segredos, charadas. Mais! Ao nos observar tão cheio de rigor e concentração ele faz com que nós todos que a viram, vêem e verão, em qualquer lugar ou época,  personifiquem os próprios Felipe IV e Mariana de Asturias. Ontem eu também fui rainha. Eu vi. Em um instante estava ali naquele mesmo salão onde estavam ele, a pintar-nos o retrato, e todos os outros a olhar-me.
Uma experiência deveras contemporânea para um quadro de 1656. Não acham? Mas é precisamente esta a faísca que faz com que hoje em dia vastos grupos de turistas ainda sejam atraídos com seus fones ou com seus guias tagarelas – o que é muito pior – até aqui. Esta tela nos apresenta muito mais que movimento, técnica, beleza… está muito além disso. Aliás, o que vi ontem está muito além da pintura, da estética, de tudo. Este quadro está vivo. Esta obra se coloca diante de nós como uma porta para um outro lugar, num outro tempo e fazendo-o nos tornamos parte viva dela. Nossa, por assim dizer, participação o torna dinâmico, eternamente mutável. Está em constante atualização.
Ao mesmo tempo seu autor, muito graciosamente, nos dá o inestimável presente de, ao estarmos diante dele, nos eternizarmos também.
Al señor Diego Velázquez,
 ¡Muchísimas Gracias!

2 comentarios:

  1. Esta é sem dúvida a obra mais impressionante do Museo del Prado. O que mais impressiona é como o quadro te leva para dentro dele. Você fica um tempo parado olhando e dá impressão que você está participando da cena. Ah, e eu também adoro a figura do próprio Velázquez pintando o quadro.
    Para "As Meninas" e para Velázquez eu tiro o chapéu (que nem aquele quadro do programa do Raul Gil). :)

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  2. Raquel, depois d um texto desses dá vontade d abandonar tudo e ir moram aí tambèm! Seu texto é delicioso d se ler, você já devia ter feito um blog há mto tempo...

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