jueves, 21 de octubre de 2010

Herencia

Minha visita a Almería potencializou tudo o que eu vinha sentindo desde que cheguei à Espanha. Tem alguma coisa neste país que que faz com que tudo simplesmente flua melhor. Ainda que a minha língua nativa não seja a deles e que ainda tenha muitas referências culturais por aprender, não me sinto estrangeira. E em contrapartida, muito raramente sou reconhecida como uma. Sou livre e, ainda que seja uma liberdade assistida, comprada, finalmente sinto que estou no lugar certo.  
É sobre isso que quero falar neste texto. Sobre estes momentos em que somos tomados pela certeza de que estamos no lugar certo na hora certa, e que é muito óbvio que você só poderia estar ali.
A sensação foi crescendo ao longo dos días que passei por lá. Primeiro aconteceu passeando pelo centro de Almería com meus tios. Fazia um dia lindo de sol e passamos diante de um restaurante com mesas ao ar livre. Numa destas mesas, quatro senhoras tomavam seu café da manhã. Muito normal, se não fosse pelo fato de que todas vestiam trajes típicos “rocieros”, que eran vestidos longos de bolas, flores e peinetas no cabelo. Não resisti, tirei uma foto de longe sem que notassem, para não incomodar ninguém. Imagino que todos os leitores deste blog saibam do meu amor incondicional pelo flamenco. E ainda que estivesse na Espanha a quase um mês, não tinha visto mais que cartazes de shows pelas ruas de Madrid. Mais tarde neste mesmo dia, estava com meu primo e sua namorada ainda no centro da cidade. Visitamos a catedral, uma antiga fortaleza do tempo dos árabes, e fomos em seguida para a igreja da Virgen del Mar, a padroeira local. Já tinha um pouco de fome e sabia que minha tia estava fazendo paella, então não estava lá muito afoita para entrar. Mas, ao nos aproximarmos ouvi uma música diferente… uma guitarra flamenca… seria possível? Estava acontecendo um casamento e a trilha sonora – pirem! – era música rociera, acompanhada da melhor guitarra flamenca e cantes populares de Andaluzia. Nada de música erudita, marcha nupcial, não, não.
Reconheci um dos hits, a famosa cancão popular que diz “…olé, olé, olé, al Rocío yo quiero volver…”. A noiva, na nave principal, segurava um abanico branco de renda. E à esquerda do altar, o coro de rocieras com suas roupas de cores vibrantes com bolas, seus mantones, suas rosas no cabelo e algumas castanholas… Diante do meu choque, meu primo explicou que era um casamento tradicional, típico da região. Sem ofensas por favor, mas aquilo fez todos os casamentos em que já fui na vida parecerem um tédio sem fim. Entrei num frenezi que não consigo reproduzir com palavras, foi uma experiencia única. Pena que não deu para ficar até o final.
No entanto, o ápice emotivo desta viagem veio dias mais tarde. Estávamos em Armuña, já havia conhecido todo o pueblo - ainda que com dificuldade já que a cada metro andado, era apresentada a três pessoas diferentes –, já tinha passado umas 15 vezes na frente da casa onde minha avó nasceu e viveu, tirado fotos e então dois tios meus me levaram a Laroya. Neste vilarejo onde nasceu a minha bisavó e aí morou até os sete anos. Para quem não sabe, ela viveu no Brasil dos 7 aos 15 anos e depois voltou para Espanha devido a uma tragédia familiar. Durante estes 8 anos ela se apaixounou pelo nosso país de tal maneira que todos aqui a chamavam – e chamam até hoje- de Carmen, la brasileña. E não sossegou até que finalmente arrastou o marido e os 5 filhos pro Brasil com ela. Essa é a história bem resumida de parte da minha família.
Enfim, chegamos em Laroya, uma cidadezinha encantadora cravada na montanha. Na entrada um busto de Cervantes, que documentadamente esteve no vilarejo no ano de 1594. Me sentía como se pisasse em solo sagrado… um lugar que viu a passagem de muitos e muitos anos, sem mudar quase nada em seu aspecto físico, sua aparência. Descendo uma rua, chegamos ao final do pequeno pueblo. Daí pegamos um caminhozinho de terra, beirando um barranco e por aí seguimos entre almendros, olivos e outras árvores, arbustos e ervas nativas… Dez minutos depois lá estava o moinho de mi abuelica. Ao seu redor nada mais que a natureza. As pedras sobrepostas uma a uma há quase dois séculos atrás, ainda resitem à força dos anos. Finalmente verti lágrimas. O moinho tinha sido dos avós da minha bisavó e agora eu estava diante dele como quem vem para tomar chá e botar a conversa em dia. Tentei entrar, mas uma planta bastante espinhosa e algum entulho bloqueavam a passagem. Só conseguía chorar e pensar como aquilo seria uma moradia maravilhosa se o interior fosse restaurado. Dizem que os donos atuais não querem vender… quem sabe no futuro?
 Só de lembrar do moinho me vêm lágrimas aos olhos.
Termino este post com ninguém menos que o senhor Miguel de Cervantes, com uma frase que propiciamente estava embaixo de seu busto na entrada de Laroya.
“La libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierran la tierra y el mar: por la libertad, así como por la honra, se puede y se debe aventurar la vida.”
Uma frase de quase 500 anos, gravada na entrada de uma vilazinha perdida no tempo, explicou  tudo o que estou sentindo, o que venho sentindo desde que este novo projeto de vida começou a tomar forma. E explica tudo o que sentiu minha bisavó há 60 anos atrás. É ou não é pura emoção?

6 comentarios:

  1. Sim, é pura emoção! E fico feliz em saber que vc está cada dia mais certa de que tomou a decisão certa.

    ResponderEliminar
  2. Lindo texto Raquel!!!
    e muitas sensações... espero que dê tudo certo nesse seu novo projeto de vida, e que você encontre sentido e emoção em tudo por ai e conte por aqui!
    eu fiquei bem emocionada, gostaria de tentar achar as casinhas dos meus bisos por ai...
    bjinho
    Camila

    ResponderEliminar
  3. Esse seu blog desperta o meu lado mais emotivo, me faz pensar, me dá um nó - na garganta e no pensamento.

    ResponderEliminar
  4. é muito bom viver a felicidade e poder senti-la em suas palavras... mais uma vez me alegro com a alegria alheia!

    ResponderEliminar
  5. Raquel, no tardes mucho tiempo sin escribir en tu blog.Estamos aquí pendientes de tus pasos por España.
    Le as salido un poco a tu abuela Leonor, pues consigues con tu forma de escribir que disfrutemos como si lo estubiéramos viendo todo lo que te pasa.
    Estamos reviviendo emociones através de ti, unas nuevas y otras yá vividas, la familia, el pueblo, tus amistades.
    Tu te sientes Domene pero los que ban de América como tu , para realmente serlo y sentirlo ai que subir al PEÑON, si esto lo intentas y consigues entenderás lo que te digo.
    Verás el pueblo, sus campos, su iglesia, su hermoso rio todo lo que lo compone a tus piés, convida para subir a la prima Carmen y a la tia
    Isabel.
    Todos estamos pendientes de los proximos capitulos, pues cada dia esto se pone más interesante, y nos haces participar de tu felicidad.

    ResponderEliminar
  6. Raquel, que lindo seu texto! fico muito feliz por você estar se encontrando e por saber que está vivendo tantas emoções intensas, como você. Se eu fosse você, me preparava porque isso é só o começo, amiga!
    bjs

    ResponderEliminar